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O design brasileiro através do espelho: Lina Bo Bardi, Aloisio Magalhães e a questão da contextualização cultural na historiografia do design no Brasil

El diseño brasileño a través del espejo: Lina Bo Bardi, Aloísio Magalhães y la cuestión de la contextualización cultural en la historiografía del diseño en Brasil

Brazilian design through the mirror: Lina Bo Bardi, Aloísio Magalhães and the cultural set in context matter on design historiography in Brazil

Zoy Anastassakis*

* Designer (ESDI / UERJ, 1999), mestre (2007) e doutora (2011) em antropologia (PPGAS-Museu Nacional, UFRJ). Professora Adjunta na Escola Superior de Desenho Industrial, Universidade do Estado do Rio de Janeiro e no Departamento de Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Design e Antropologia (LADA), parceria da ESDI/uerj com o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Observatório Etnográfico de Design e Inovação Social no Rio de Janeiro, projeto de extensão. Com apoio da Fundação de Apoio a Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), encontra-se em fase de edição sua tese de doutoramento, que versa sobre os processos de institucionalização do design no Brasil, à luz das trajetórias e discursos da arquiteta italiana Lina Bo Bardi e do designer pernambucano Aloisio Magalhães.

Escola Superior de Desenho Industrial, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. R. Evaristo da Veiga 95, Lapa, Rio de Janeiro. Brasil. Email: zoy@esdi.uerj.br

RECIBIDO: 5 de noviembre de 2013
ACEPTADO: 15 de mayo de 2014


RESUMO

O artigo retoma alguns pontos estratégicos do debate contemporâneo sobre a história do design no Brasil, articulando a reflexão em torno de uma questão que se coloca de forma central no campo, a saber, a busca por contextualização cultural, tema que, conseqüentemente, conduz a uma discussão sobre a possibilidade de uma identidade cultural brasileira no design. Buscando relacionar alguns fatos e corpos de reflexão que se constituíram em diferentes momentos e lugares através daquelas noções-chave, o artigo pretende também apontar para algumas continuidades e descontinuidades de tal debate, que parece ser central para o design no Brasil. Essa análise é construída a partir da observação de algumas das apreciações contemporâneas dos pensamentos da arquiteta italiana Lina Bo Bardi e do designer pernambucano Aloisio Magalhães, feitas pelos críticos da história do design no Brasil, segundo suas produções mais recentes.

Palavras Chave: Design brasileiro; Contextualização cultural; Lina Bo Bardi; Aloisio Magalhães.

RESUMEN

El artículo recoge algunos puntos estratégicos del debate contemporáneo sobre la historia del diseño en Brasil, articulando la reflexión en torno a una cuestión central en el campo, como es la búsqueda de la contextualización cultural que conduce a una discusión sobre la posibilidad de una identidad cultural brasileña en el Diseño. A partir de relacionar algunos hechos y conjuntos de reflexiones formados en diferentes épocas y lugares a través de conceptos clave, el texto también pretende señalar algunas continuidades y discontinuidades que resultan centrales para el debate sobre el diseño en Brasil. Este análisis se construye a partir de la observación de algunos de los testimonios de las trayectorias de la arquitecta italiana Lina Bo Bardi y del diseñador pernambucano Aloísio Magalhães, realizados por los críticos de la historia del diseño en Brasil de acuerdo con sus últimas producciones.

Palabras Clave: Diseño brasileiro; Contextualización cultural; Lina Bo Bardi; Aloísio Magalhães.

ABSTRAC

This article picks some strategic points of the contemporary debate about history of design in Brazil, linking the reflection concerning a main matter in the field, like the searching of cultural set in context, which guides to a discussion about the possibility of a Brazilian cultural identity on design. From relating some facts and a group of reflections born in different periods and places through key concepts, this writing also pretends to show some continuities and discontinuities which result very important for the debate about design in Brazil. This analysis is constructed from the remark of some reviews about the architect Lina Bo Bardi and the Pernambucan designer Aloísio Magalhães´careers, made by design historian critics in Brazil, according to their last works.

Keywords: Brazilian design; Cultural set in contexto; Lina Bo Bardi; Aloísio Magalhães.


INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, acontece, no Brasil, um aumento exponencial dos cursos de graduação em design. Ao mesmo tempo, percebe-se uma tendência de revisão crítica dos parâmetros que organizam a prática e o ensino dessa atividade profissional. Esse segundo movimento é perceptível se levarmos em conta o crescente número de artigos apresentados em congressos, periódicos especializados e livros dedicados à reflexão sobre a prática e o ensino de design no contexto brasileiro.

Muitas dessas revisões partem de uma crítica aos modelos que inspiraram, entre 1950 e 1960, a criação dos primeiros cursos de design moderno do país, tais como o curso de desenho industrial do Instituto de Arte Contemporânea do Museu de Arte de São Paulo (iac-masp), em 1951, e aquele da Escola de Artes Plásticas da Universidade Mineira de Artes, em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1957, além do primeiro curso de nível superior, o da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), inaugurado em 1963 no Rio de Janeiro.

Apresentando os resultados da pesquisa que informou a tese de doutorado (Anastassakis, 2011) defendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, este artigo explora a ideia de que parte importante do debate sobre design no Brasil se articula em torno de uma crítica (multi-situada e re-articulada de diversas formas ao longo do tempo) ao modo como se estruturou, neste país, o ensino da atividade, entre 1950 e 1960, a partir do que foi identificado (por aqueles que constroem tais críticas) como uma interlocução brasileira com um modelo germânico, sintetizado pela Hochschule fur Gestaltung, ou Escola de Ulm.

Duas noções-chave atravessam as críticas à incorporação brasileira daquele modelo de ensino, mais nitidamente observada (por essa mesma crítica) no currículo do primeiro curso superior em design do país, o da ESDI. Contexto e cultura são as palavras-chave e, assim, a busca por contextualização cultural é o que reúne uma série de argumentos, discursos, debates, experiências e práticas formuladas a partir de tal posicionamento crítico face à incorporação da perspectiva “ulmiana” nos cursos de design no Brasil. Por conseqüência, tal busca tem levado a discussões sobre o que seria, ou o que deveria ser, o design brasileiro. Assim, junto à questão da atenção à contextualização cultural, ou à consideração da realidade sócio-cultural, surge um debate sobre os significados sociais do design e sua adequação às especificidades da identidade cultural brasileira.

Tais debates se iniciam já entre 1950 e 1960. Portanto, surgem contemporaneamente à criação dos primeiros cursos e escritórios de design no país, sendo ativados tanto de dentro quanto de fora do campo profissional, ou seja, tanto por setores da sociedade civil, quanto por alunos, professores e profissionais identificados com a área. No fim dos anos 1960, face ao quadro de revisão generalizada dos parâmetros sócio-culturais que organizavam o mundo ocidental, delineado de forma explosiva em 1968, a crítica aos modelos de ensino em design ganha novos contornos, que se desdobram em uma série de buscas por alternativas de ensino e da prática de projeto. Esse movimento gera algumas propostas concretas ainda no final da década e ao longo das décadas seguintes. Entre 1990 e 2000, quando emerge, enfim, uma historiografia do design no país, o debate ganha novos contornos e significados, na medida em que alguns pesquisadores buscam ampliar o que se entende hoje sobre a constituição do campo do design no contexto brasileiro.

A partir de um interesse em problematizar as ideias que organizam a prática e o ensino do design no Brasil, bem como suas transformações ao longo do tempo, se acredita que, perseguindo as disputas e os debates articulados por profissionais, estudantes e instituições de ensino no período que compreende os últimos sessenta anos, é possível questionar o que está em jogo nas discussões sobre as possibilidades do design no contexto cultural brasileiro e, assim, observar como se configura, no país, um campo intelectual ligado à essa atividade profissional.

Assim, neste artigo se propõe uma aproximação com o campo disciplinar do design brasileiro, a fim de perceber quais temas informam as discussões no momento em que se efetua um aumento substantivo de revisões críticas sobre a trajetória do campo no país. Nesse sentido, interessa também compreender como um campo ampliado de reflexão sobre design, arte, arquitetura, história, políticas de patrimônio cultural, ou seja, sobre a produção da cultura material, elabora as questões referentes às suas áreas específicas, e de que forma essas áreas dialogam (às vezes explicitamente, às vezes de forma tácita) com o campo mais específico do design.

Para tanto, se observa alguns discursos, bem como os acontecimentos à sua volta (Foucault, 1996), procurando perceber como são fixados os limites entre as disciplinas e que recursos são utilizados (pelos atores e autores em campo) para delimitar os contornos disciplinares de um campo mais vasto de áreas de conhecimento relacionadas à objetivação ou materialização das culturas através de formas, espaços, coisas.

Algumas perguntas que aqui, então, se apresentam: que histórias tal discurso (polifônico) recria, como se articulam as versões dessas histórias, quem são os agentes produtores das reflexões sobre design no Brasil hoje, que problemas tem sido formulados, e, além disso, como, através de alguns dos atores-autores contemporâneos, vêm sendo re-elaboradas as figuras daqueles considerados como articuladores de discursos fundadores do campo, ou de novas visadas sobre ele, tais como a arquiteta italiana Lina Bo Bardi1 (1914-1992) e o designer pernambucano Aloisio Magalhães2 (1927-1982).

Assim, se propõe aqui tanto observar a crítica contemporânea, quanto o modo com que, a fim de se constituir e se legitimar, ela invoca personagens “históricos” que teriam, desde os primórdios, se posicionado criticamente frente à incorporação de modelos importados, tal como ela própria, nos dias de hoje. Contudo, deve-se ressaltar que a análise aqui proposta se restringe tão somente ao debate formulado pela crítica contemporânea que, discutindo o design brasileiro, explora e atualiza os pensamentos de Bo Bardi e Magalhães, não avançando para uma consideração das questões postas em jogo por esses dois personagens, esforço analítico central da tese de doutorado a partir da qual se desdobra o presente artigo (Anastassakis, 2011).

Como ponto de partida do presente artigo, se elege as apropriações e atualizações dos pensamentos de Bo Bardi e Magalhães, feitas hoje. Com isso, se pretende observar as formas pelas quais os discursos desses dois agentes são processados na atualidade em meio às narrativas que se propõem a refletir sobre o design brasileiro, ou seja, de que forma eles condicionam, se refletem em, ou são atualizados por uma série de perspectivas discursivas na contemporaneidade. Interessa discutir, então, não exatamente quem foram esses dois agentes fundadores de uma perspectiva crítica no campo do design brasileiro, mas, sim, como as inflexões sofridas por suas vidas-obras-produções intelectuais vem servindo, hoje, de referência para a fundamentação de uma mirada sobre o design brasileiro que o articula, de forma indubitável, a um projeto de conformação de uma identidade cultural nacional via cultura material.

Este exercício é realizado a partir da análise comparativa de um conjunto de textos mais ou menos recentes que tratam da história do design no Brasil. Dessa forma, a análise se restringe a um material já publicado, que está registrado e em circulação. A opção por focar a atenção na reavaliação dos pensamentos da italiana e do pernambucano se vincula à ideia de que a produção discursiva contemporânea, tornada pública por meio de pessoas autorizadas nesse campo intelectual, atua, ela também, como matriz de uma nova discursividade sobre o design brasileiro que se articula a partir de meados da década de 1990.

Deve-se ressaltar, contudo, que não se pretende, por ora, esgotar toda a repercussão dos pensamentos de Bo Bardi e Magalhães, que se desdobra, de forma bastante diversificada, pelos campos do design, da arquitetura, das políticas de patrimônio cultural e de fomento ao artesanato. Tampouco se realiza uma análise exaustiva dos estudos acadêmicos sobre os dois personagens, que são numerosos e díspares.

EM BUSCA DE UM DESIGN MODERNO E BRASILEIRO

Feitas essas ressalvas, voltemos à história do design no Brasil: o curso da Escola Superior de Desenho Industrial, que começa a funcionar em 1963 na cidade do Rio de Janeiro (Pereira de Souza, 1996), foi elaborado ao longo do ano anterior, ao mesmo tempo em que se articulava, na cidade de São Paulo, no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, uma reforma curricular que instituiu, entre outras coisas, uma seqüência de desenho industrial (Pereira, 2009).

Nesse mesmo período, na cidade de Salvador, no Estado da Bahia, Lina Bo Bardi planejava criar uma Escola de Desenho Industrial e Artesanato (Rossetti, 2002; Pereira, 2008). A partir desses eventos, vale mencionar que, se entre 1962 e 1963 se institui definitivamente o ensino de desenho industrial a nível superior no Brasil (visto que os cursos da ESDI e da fau-usp seguem funcionando até os dias de hoje), em São Paulo o ensino de desenho industrial é constituído como parte da formação em arquitetura e urbanismo, e, por isso é que se pode afirmar que, em um sentido estrito, o primeiro curso superior a formar desenhistas industrias é o da ESDI.

Se observarmos os debates, na academia, no campo profissional ou em meio às políticas públicas de design, as questões em torno das condições de possibilidade para o desenvolvimento de uma profissão ligada à atividade industrial no contexto nacional brasileiro têm provocado discussões intensas tanto hoje quanto ontem. Mais do que isso, essas questões tem pautado os debates, servindo de balizador para um questionamento sobre as possibilidades, inclusive as futuras, do design no Brasil.

A relação entre modernidade e brasilidade seria, então, questão central nas discussões que envolvem o design, no país. Como coloca o historiador Rafael Cardoso, “o design, moderno de berço e por vocação, lida há pelo menos 40 anos com a provocação irritante de ter que provar que também é brasileiro” (Cardoso, 2004, p. 81). Ou seja, a reação crítica à importação de um modelo de design, ativa ainda hoje, surge contemporaneamente à instituição desses “modelos importados”. O designer, professor, ex-aluno e ex-diretor da ESDI, Pedro Luiz Pereira de Souza, que no livro ESDI: biografia de uma idéia (1996) discute as ideias e concepções que circularam em torno da escola desde sua criação, também relata que, já na sua fundação, “alguns se preocupavam com um modelo próprio enquanto outros iam além, reclamando atenção às ‘raízes’ e ‘origens’ nacionais” (Pereira de Souza, 1996, p. 258).

Na ESDI, o “design de identidade nacional” (Pereira de Souza, 1996, p. 303) ou “tendência nacionalista no design” (Pereira de Souza, 1996, p. 232) surge como uma reação ao formalismo técnico, tendência oriunda da Escola de “Ulm e mais remotamente da Bauhaus, que manteve a metodologia e a ideia de conceito do produto como principal referência” (Pereira de Souza, 1996, p. 254). Assim, o formalismo técnico e a ideia de conceito teriam fornecido, na escola do Rio de Janeiro, as bases para as diferentes linhas de atuação desenvolvidas posteriormente (Pereira de Souza, 1996, p. 256). Segundo Pereira de Souza, em contraposição ao formalismo técnico, surge uma outra tendência, muitas vezes reprimida: “a ideia de um design sintonizado com uma realidade nacional” ou uma “tendência nacionalista no design” (Pereira de Souza, 1996, p. 232).

Em artigo intitulado “A ESDI e a contextualização do design”, o designer, ex-aluno e professor da escola, Washington Dias Lessa, analisa, no contexto dessa instituição de ensino, durante os anos 1970, o surgimento de trabalhos de conclusão de curso voltados à discussão de uma inserção do design na sociedade brasileira (Dias Lessa, 1994, p. 102). Segundo ele, “paralelamente à tendência dominante, surge ao longo de 1970 uma espécie de ciclo voltado para uma tentativa de contextualização da profissão” (Dias Lessa, 1994, p. 102), ciclo esse que configura, para o autor, um marco de mudança que envolve a consciência do distanciamento entre discurso e realidade (Dias Lessa, 1994, p. 103) no modelo acadêmico ali adotado.

Tal mudança estaria associada a uma frustração, ou mal estar, “que nasce do não acontecimento da regeneração da sociedade que este design propõe” (Dias Lessa, 1994, p. 103) e leva à tentativa de redefinição de suas direções e inserção na sociedade. Buscando uma contextualização para o design, essa tendência faria parte, mesmo que inconscientemente, de uma linhagem de apropriação racionalista das especificidades culturais brasileiras (Dias Lessa, 1994, pp. 104-105), fundada pelos arquitetos Lucio Costa e Lina Bo Bardi: ele, ao identificar um proto-funcionalismo na economia estrutural e simplicidade de soluções da arquitetura colonial mineira; ela, ao incorporar em sua prática projetiva o conceito de primitivismo técnico cunhado pelo escritor paulista Oswald de Andrade para identificar uma inteligência projetual articulada a partir da escassez.

Segundo Lessa, a busca de identidade cultural pelo design (Dias Lessa, 1994, p. 105) ou “vertente afirmativa” (Dias Lessa, 1994, p. 105) é formalizada institucionalmente em 1975, por Aloisio Magalhães, quando cria o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) (Anastassakis, 2007). Essa perspectiva, que se configura em nome de uma aproximação com o real, não escapa, no entanto, da “formulação implícita de uma outra utopia” (Dias Lessa, 1994, p. 105) que, mais que apenas introduzir no pensamento projetual o reconhecimento da diferença, termina por projetar no brasileiro uma racionalidade latente que, segundo essa perspectiva mesma, só precisaria ser revelada para se desenvolver.

Comentando a polêmica básica dos primórdios do design no Brasil, que contrapunha um design regional a um modelo internacional, Lais Moura Wollner (2003, p. 23) termina por associar a perspectiva do designer paulista formado em Ulm, Alexandre Wollner, àquelas adotadas por Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães, afirmando que, apesar de terem assumido posturas ideológicas radicalmente diversas, haveria muito em comum entre as concepções de design nutridas por ambos (Moura Wollner, 2003, p. 25).

Para essa autora, as perspectivas de Magalhães e Bo Bardi teriam afinidade na medida em que ambos terminaram por entender que somente a partir de uma integração dinâmica entre opostos (regionalismo/universalismo) seria possível forjar um processo progressivo de construção de uma identidade disciplinar para o design no Brasil (Moura Wollner, 2003, p. 25). Assim, segundo ela, é em um contexto de integração de polaridades que se poderia associar a essas duas perspectivas aquela do “ulmiano” Alexandre Wollner.

Nesse ínterim, é preciso assinalar, como lembra Pereira de Souza, que a discussão entre prática de projeto e identidade nacional não era exclusiva do design: ela já fora bastante debatida no campo da arquitetura, desde 1950. É a partir de um dos eventos-chave desse debate –a polêmica entre Lucio Costa e o designer suíço Max Bill– que a arquiteta e historiadora Ana Luiza Nobre analisa as (difusas) relações entre design e arquitetura no Rio de Janeiro, em torno da metade do século xx.

A partir da descrição daquela polêmica, Nobre (2008) discute como arquitetos e designers se apropriaram, de forma diferenciada, da noção de projeto, tal como reformulada na Escola de Ulm. Observando algumas refrações dessa noção no contexto da produção arquitetônica moderna brasileira, Nobre se indaga sobre os modos como design e arquitetura modernos no Brasil buscaram se auto-identificar a partir de um diálogo surdo, construindo suas respectivas identidades em torno da negação de certos atributos, que eram associados, de forma quase acusatória, ao outro.

Assim, se busca entender as questões em jogo nos debates em torno da conformação de uma identidade do design brasileiro, é fundamental observar também como os campos vizinhos, tais como arte, arquitetura e patrimônio cultural, disputaram entre si espaços identitários e políticos, seja face à noção de uma identidade nacional, seja face à construção de uma modernidade brasileira.

Se há algo a ser observado nos espaços de interação entres esses campos (Bourdieu, 2010, p. 55), que principalmente a partir da metade do século xx passaram a ter no design um campo a mais com que negociar seus espaços de conformação identitária, é curioso notar que o design também se estrutura a partir de um jogo de oposições e distinções (Bourdieu, 2010, p. 177), de um “consenso no dissenso” (Faria, 2002, p. 8), a partir de disputas, divergências e dissidências (Stolarski, 2006, p. 246).

Nesse sentido, em um artigo sobre a consolidação do campo de projetos de identidade visual no Brasil em 1960, o designer paulista André Stolarski afirma que apesar de os projetos compartilharem um repertório visual bastante homogêneo, havia, entre os designers e suas produções, uma significativa dose de dissidência, divergência e disputa (Stolarski, 2006, p. 246). Se muitos deles partiram de referências comuns, tais como a Bauhaus, o construtivismo, a tipografia suíça e a hfg/Ulm, o que teria marcado a profissionalização da atividade foi uma crítica aberta a seus métodos e a busca constante por outras referências conceituais (Stolarski, 2006, p. 246).

Como se o “pensamento brasileiro de design” (Pereira de Souza, 1996, p. 306) se organizasse relacionalmente (Bourdieu, 2010, p. 178) a partir de uma reação a outros pensamentos, entre eles, o da arquitetura modernista, e, também, de uma concepção universalizante associada ao design moderno (tal como proposto em Ulm). Não apenas com a ideia de escapar a esses modelos, mas, outrossim, de utilizá-los como lugares a partir de onde fosse possível (se) refletir.

Contudo, se o design brasileiro discutiu abertamente com o modelo proposto pela vertente germânica e também com a arte concreta praticada em São Paulo e no Rio de Janeiro (Pereira de Souza, 1996), seu diálogo com a tradição modernista brasileira em arquitetura não é tão facilmente rastreável, principalmente se observa essa relação a partir da cidade do Rio de Janeiro. Note-se que, em São Paulo, a situação é diferente, uma vez que, em seus primeiros momentos, o ensino de design se institui como parte do ensino de arquitetura, como no caso da FAU-USP (Pereira, 2009).

Apesar de ser possível localizar, já em 1980, algumas análises críticas sobre a história do design no Brasil, é somente na segunda metade da década seguinte que surgem, de forma mais sistemática, pesquisas e publicações sobre o tema. Esses trabalhos, produzidos nos mais diferentes contextos e com objetivos e perspectivas as mais diversas, conformam conjuntos ou séries a partir dos quais é possível observar as discussões levadas a cabo, hoje, no campo do design brasileiro. Analisando-as contrastivamente, é possível pensar tanto sobre a história do design no Brasil quanto sobre as formas com que são pensadas hoje, pela comunidade de design, as possibilidades para desenvolvimentos futuros da disciplina.3

Ou seja, a partir de uma apreciação das narrativas discursivas utilizadas por esses autores é possível perceber de que modo se constroem as categorias a partir das quais se configura a historiografia do design no Brasil. Na dinâmica de tais construções discursivas, é importante ressaltar o caráter militante com que se constituiu, inicialmente, a historiografia brasileira do design. Baseada, sobretudo, em propósitos morais e políticos, essa historiografia se ressente, ainda, de um distanciamento crítico em relação ao que pretende documentar. Sobre isso, Gustavo Bomfim comenta que:

[...] a história do design no Brasil é muito recente e, portanto, não dispõe de versões serenas, que só se alcançam com o distanciamento que o tempo permite: as controvérsias são ainda por demais vivazes, seus protagonistas por vezes enciumados, há inúmeros interesses em jogo que, não raro, se sobrepõem a fatos (Bomfim, 2008, p. 83).

Alguns dos autores dos trabalhos que se dedicam a uma reflexão sobre a história do design no Brasil são da geração que participou dos momentos fundacionais do campo –tal como conta a história–, a instauração da consciência crítica do design enquanto campo disciplinar se inicia, no país, em torno de 1950.

Entre os autores, encontram-se, portanto, alguns protagonistas da história refletindo, a posteriori, sobre um quadro que eles próprios ajudaram a delinear. Alguns outros são designers de uma geração posterior, já inseridos no campo profissional e acadêmico, que buscam marcar seus pontos de vista, lançando um olhar crítico sobre o quadro fundacional do campo, onde eles começaram a atuar. Há também jovens designers e arquitetos, cientistas sociais e historiadores da arquitetura, da arte e do design, que se dedicam a reconstruir as trajetórias e as questões em torno do design nacional segundo diversas perspectivas.

Assim, grosso modo, salvo algumas exceções, trata-se de um esforço do próprio campo em se re-pensar e se re-interpretar a partir da análise de sua própria trajetória, ou seja, trata-se de um processo de auto-análise. E, conseqüentemente, de um esforço em buscar outras referências para o design brasileiro, que possam fazer com que o adjetivo “brasileiro”, colocado ao lado do sujeito “design”, soe de forma menos incômoda aos ouvidos de todos. Mas, então, coloca-se a questão: por que essa tem que ser uma associação tão incômoda? De que forma ela se constituiu ao longo do tempo para que o esforço em desarticulá-la tenha de ser retomado, tantas e tantas vezes? Por que será que o campo ainda não conseguiu superar esse “trauma” e avançar no sentido de outras discussões?

BO BARDI E MAGALHÃES EM MEIO À CRÍTICA CONTEMPORÂNEA

É em meio a esse movimento que Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães ganham centralidade em meio à discussão contemporânea. Se vários dos críticos trazem para a discussão apenas um ou outro (por vezes os aproximando ou contrastando com outros atores) (Cardoso, 2004; Cornejo, 2008; Pereira de Souza, 1996), alguns abordam de forma explícita as relações (implícitas) entre os posicionamentos de ambos (Borges, 2009; Cara, 2010; Chagas, 2002; Souza Leite, 2006b; Lessa, 1994, Moraes, 2006; Nobre, 2008).

Acompanhando seus trabalhos é possível perceber, então, em que quadro maior de discussão esses autores têm comentado as atuações de Bo Bardi e Magalhães, trazendo à tona, assim, as suas leituras sobre as contribuições dos dois para a conformação de um design vinculado de forma mais estreita a uma identidade cultural brasileira. Ao atribuírem à italiana e ao pernambucano um certo pioneirismo na crítica à influência germânica entre o design brasileiro, esses críticos delegam aos dois poderes de criação de uma vertente, ou seja, de formação de uma discursividade (Faria, 2002), que só é assim nomeada por eles, a posteriori, mas que tem sua gênese localizada, por eles, nas proposições e atuações dos dois, em suas trajetórias profissionais.

Maurício Chagas, em pesquisa sobre a atuação de Lina Bo Bardi na Bahia em 1980, associa as propostas da italiana para a Bahia em 1960 às ideias de Aloisio Magalhães no cnrc. Entretanto, considera que nenhuma dessas propostas apresentava atitudes inovadoras (Chagas, 2002, p. 81), na medida em que o envolvimento apaixonado de certos intelectuais com um caráter popular brasileiro já acontecia desde o primeiro modernismo, próximo à Semana de Arte Moderna de 1922 e à criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (sphan). Para Chagas, a novidade das propostas de Bo Bardi no Solar do Unhão e Magalhães no cnrc reside não apenas no reconhecimento da originalidade de uma produção popular nacional, mas, sim, na identificação de que, inserida em um modelo de desenvolvimento apropriado, emergiria dessa produção um potencial latente de criação de valor econômico (Chagas, 2002, p. 81).

Se a italiana (na Salvador de 1960) e o pernambucano (em Brasília nos anos 1970) tinham preocupações semelhantes às dos artistas da Semana de Arte Moderna de 1922, diferentemente deles, os dois apresentavam visões da produção popular em que se conjugava valores culturais e econômicos. Nesse sentido, Bo Bardi e Magalhães se afastariam da “dominante visão romântica vigente entre os estudantes do folclore e da cultura popular” (Chagas, 2002, p. 81). Entretanto, se face aos primeiros modernistas, ambos guardavam algumas semelhanças, haveria, entre as suas propostas, certas especificidades que impediriam uma identificação maior, a saber, a distância temporal entre as duas iniciativas, e, também, a especificidade de cada um dos contextos diversos em que elas são formuladas.

Assim, observando as proposições de Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães de forma contrastiva, e localizando-as face à discussão maior do primeiro modernismo brasileiro, Chagas lembra que os debates acontecidos no campo mais específico do design não podem ser avaliados sem que se considere os processos mais longos em que se discute um projeto de modernidade para o país, seja através da arte, seja através da produção da cultura material.

Rafael Cardoso é um daqueles que têm se dedicado, de forma mais substantiva, à busca de expansão dos limites histórico-conceituais do design no Brasil. No artigo “Tudo é moderno, nada é Brasil: design e a busca de uma identidade nacional”, ele afirma que a cultura visual erudita no país está baseada em uma história de rupturas importadas (Cardoso, 2004, p. 81). Ao construir seu argumento, menciona alguns episódios que considera como fundamentais nesse processo. Entre eles, a chegada da Missão Francesa (1816), a visita de Le Corbusier (1929), a presença de Max Bill (1951, 1953) e a movimentação em torno do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1959) (Cardoso, 2004, p. 81).

Para Cardoso, tais intervenções teriam em comum três fatores significativos: foram agenciadas por participantes estrangeiros, enterraram uma tradição preexistente, e foram implantadas em nome da modernização, do progresso e da razão. E por essa configuração, teriam suscitado reações de cunho nacionalista, acirrando assim os debates sobre a “oposição tácita entre ser brasileiro e ser moderno” (Cardoso, 2004, p. 81). Para ele, configura-se, então, uma história de rupturas importadas (Cardoso, 2004, p. 81), que por tentarem impor um modelo exógeno, que se pretende hegemônico, resultam em reações que, buscando desvencilhar-se da influência sufocante daquelas propostas, derivam para perspectivas mais nacionalistas. Nesse sentido, estaria em jogo, nesses diferentes episódios, uma dinâmica de afirmação de uma identidade brasileira por negação a algum modelo trazido de fora.

Prefaciando o livro Análise do design brasileiro: entre mimese e mestiçagem, de Dijon de Moraes, o italiano Andrea Branzi comenta uma “modernidade utópica” (Branzi en Dijon de Moraes, 2006, p. 5) adotada no Brasil, e proposta, segundo ele, por alguns europeus que perceberam no Brasil uma oportunidade de formular uma nova concepção de modernidade, diferente daquela experimentada na Europa. Entretanto, essa concepção de modernidade, permanecia, segundo o autor, desvinculada da sua real potencialidade de inovação. Assim, a seu ver, o modelo irreal de modernidade aqui formulado e fomentado a partir de uma série de diálogos centrados em figuras como Tomás Maldonado, que transitavam com intensidade entre América do Sul e Europa, terminou, paradoxalmente, por influenciar a própria Europa, uma vez que as oportunidades antevistas no continente americano despertaram, nos intelectuais ligados à Escola de Ulm, o desejo de re-fundação de uma modernidade racionalista (Branzi en Dijon de Moraes, 2006, p. 5).

Assim, esse modelo idealizado, baseado na convergência das ideias de ciência e projeto, resultaria de uma combinação entre a Escola de Frankfurt, a América do Sul e uma certa esperança política européia, derivada do pós-guerra.

Uma utopia que se consolidou também no Brasil, como modelo único, de referência para a didática do seu design. Isso a partir da fundação, em 1963, da ESDI, no Rio de Janeiro, defensora da ortodoxia ulmiana e do seu modelo didático, quase uma espécie de protetorado cultural, desvinculado da realidade brasileira, mas por isso mesmo de difícil remoção (Branzi en Dijon de Moraes, 2006, p. 5).

Quando afirma que a história do design no Brasil é a história de uma cultura importada na qual, apenas com o passar do tempo e a duras penas, se foi inserindo traços da sua cultura autóctone; e que todo o processo de se forjar, em um país sem tradição, uma cultura moderna de projeto é fruto de um esforço realizado em grande parte por agentes oriundos da Europa (Branzi en Dijon de Moraes, 2006, p. 10), Branzi se aproxima de Cardoso (2004).

Comentando as mesmas questões, João de Souza Leite percebe uma disputa entre a arte concretista brasileira, de influência européia, e o modernismo brasileiro dos anos 1920-1930. Assim, segundo ele, se instituiu no Brasil, como oportunidade de formar profissionais aptos a enfrentar os desafios apresentados pela industrialização, um design vinculado a uma linguagem visual que, derivada em parte da abstração geométrica latino-americana e em parte do neoplasticismo holandês, se propunha como supranacional (Souza Leite, 2006a, p. 252).

Na disputa entre modelos possíveis para a instituição de um saber relacionado à criação para a indústria, venceu a matriz alemã, que “implicava a adoção de uma linguagem formal pouco afeita às contingências do tempo e às características da cultura” (Souza Leite, 2006a, p. 253). Em decorrência dessa configuração inicial, surgiram “persistentes questões no reconhecimento social dessa identidade profissional” (Souza Leite, 2006a, p. 253): o designer teria ocupado “um lugar diferenciado do restante da sociedade” (Souza Leite, 2006a, p. 253). “Cultivou-se, assim, uma imagem para o designer, de costas para o real, dissociada efetiva e afetivamente das circunstâncias da vida social, cultural e econômica brasileira” (Souza Leite, 2006a, p. 254).

Para Souza Leite, o design moderno, tal como desenvolvido pela matriz alemã que serviu de modelo às primeiras escolas de design no Brasil, se constituiu, para além do território alemão, “independente do contexto no qual estivesse operando” (Souza Leite, 2006a, p. 254). Sem considerar as peculiaridades da produção e do consumo, nem a desigualdade social existentes no país, o design instalou-se sem se permitir uma reflexão quanto a uma melhor adequação ao contexto nacional. “Não pensou sequer na tradição do modernismo brasileiro, à qual se opôs, oferecendo-se como outra face do moderno” (Souza Leite, 2006a, p. 260).

Ainda comentando sobre a instauração do ensino de design no Brasil, Souza Leite coloca que a ESDI, ao pretender se fixar como a escola de design moderno no Brasil seguindo a linguagem universalista e cientificista baseada em Ulm, terminou por deixar escapar a oportunidade de consideração das circunstâncias em que se encontrava o país. Operando no campo da idealização, voltou as costas para a realidade, e, assim, forjou uma postura alienante de que ainda muito se queixa, dentro do campo (Souza Leite, 2006a, p. 260).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir desses debates, é possível perceber que a crítica ao modelo “esdiano” reclama uma inadequação da transposição de um modelo de ensino e prática de design formulado no contexto alemão (via HfG/Ulm e Bauhaus) ao contexto brasileiro. Os estudiosos e críticos da história do design brasileiro aqui reunidos, a maioria deles designers, queixam-se de uma prática de design pouco vinculada à realidade sócio-cultural nacional, de um conflito entre a realidade local e as referências externas, de uma modernidade utópica, decorrente de uma associação do modelo funcionalista e internacionalista “ulmiano” à possibilidade de modernização do país.

Assim, o modelo de design adotado na ESDI (replicado por todo o país uma vez que serviu de parâmetro para a criação dos cursos de design já em 1970) teria afastado o design do mundo real, deixando a atividade e seus praticantes desconectados da cultura e da sociedade onde atuam, e, pior ainda, privados da uma perspectiva crítica sobre seu próprio campo de atuação. Esses críticos afirmam que na medida em que o modelo “esdiano” se instala ignorando, propositalmente, tanto o que acontecia ao seu redor quanto o que havia sido realizado antes, ele priva os designers (formados segundo aquele modelo) de uma perspectiva crítica sobre a sua prática profissional, bem como de sua história no contexto brasileiro. Segundo eles, essa postura teria levado os designers a uma auto-alienação, que ainda hoje seria um dos principais entraves para o desenvolvimento da atividade.

É importante ressaltar que, mesmo que com abordagens e pontos de vista diversos, alguns autores como Cardoso, Pereira de Souza, e Souza Leite, vem realizando esforços sistemáticos para desfazer alguns mitos (Pereira de Souza, 1996, p. 51) relacionados à criação da ESDI e sua vinculação com a Escola de Ulm, e com a Bauhaus. O livro ESDI: biografia de uma ideia (1996) é parte central do esforço em dissecar a mitologia em torno da escola, complexificando a compreensão que se tem dessa história. Sem querer discutir aqui se se trata de inverdade, mito, ou não, o interesse reside em observar como a vinculação ESDI/Ulm vem sendo percebida de forma tão ameaçadora por grande parte da comunidade de profissionais ligados à prática do design no Brasil.

Acompanhando esse debate, pode-se vislumbrar alguns encaminhamentos conceituais que partem de uma crítica ao modelo de ensino de design adotado na ESDI, se orientando para a busca de contextualização cultural do design praticado no país. Depois de nos aproximarmos de tais discussões, talvez se evidenciem os sentidos de uma tal afirmação, proferida pelo designer Fernando Campana, em depoimento ao jornal O Globo, em 2011: “não sou alemão, não sou japonês minimalista... sou brasileiro!”.

Quando opta por definir sua identidade brasileira a partir de uma declaração que explicita, antes de mais nada, sua recusa a se identificar com uma identidade germânica, o designer traz à tona alguns reflexos da discussão em torno da contextualização cultural do design brasileiro, revisitada neste artigo. Se a questão é ainda latente entre designers e críticos, parece-nos então que seja merecedora de análises mais atentas também na academia, esforço realizado na pesquisa de doutoramento em antropologia social (Anastassakis, 2011) a partir da qual se desdobra este artigo.

NOTAS

1. Acchilina di Enrico Bo nasceu em 1914, em Roma. Seu pai era engenheiro civil e tinha como hobby a pintura. Cursou o Liceu Artístico por quatro anos e em seguida entrou para a Unversità degli studi di Roma. Seu projeto final de graduação foi um projeto de hospital-maternidade, concebido segundo parâmetros modernistas. Recém-formada, se mudou para Milão, onde trabalhou como ilustradora de revistas, e depois como colunista. Nesse momento, trabalhou com Giò Ponti, arquiteto, designer, editor e promotor do artesanato italiano. Em colaboração com Carlo Pagani, fundou, em 1945, a revista Quaderni di Domus. No mesmo ano, os dois fundaram também a revista A – Cultura della vita, que circulou por menos de um ano. Em 1946, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, viajou pela Itália pesquisando artesanato, no âmbito de uma exposição têxtil encomendada pela empresa rima. Já casada com o jornalista, crítico e comerciante de arte Pietro Maria Bardi, migra para o Brasil, em 1947. Instalando-se em São Paulo, os dois participam da criação do Museu de Arte de São Paulo, patrocinado por Assis Chateaubriand. Ainda em 1948, cria com Giancarlo Palanti, o Studio Arte Palma. Em 1951, já naturalizada brasileira, constrói a Casa de Vidro, residência do casal, e, junto a Jacob Ruchti, os dois criam, no masp, o Instituto de Arte Contemporânea, que funciona até o ano de 1953. Entre as diversas iniciativas desenvolvidas pelo museu, editam a revista Habitat. Em 1958, projeta a Casa Valeria Cirell e a futura sede do masp, inaugurada dez anos depois. Entre 1957 e 1958, dá aulas na Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo. Nesse mesmo ano, tem início um período na Bahia, que dura até o momento de instituição do golpe militar de 1964. Na capital baiana, dirige o Museu de Arte Moderna da Bahia e funda o Museu de Arte Popular. Reforma o complexo arquitetônico do Unhão, onde se instalariam os dois museus. Dentro do projeto do map, planeja a criação de uma Escola de Desenho Industrial e Artesanato, que não chega a ser implementada. Com o golpe militar, é forçada a deixar Salvador, iniciando um longo período de silêncio forçado, que dura até 1976, quando, depois de ver sua atuação restrita a projetos de cenografia para teatro e cinema, ela volta a receber propostas para o desenvolvimento de projetos de arquitetura, destacando-se, nesse período, seu projeto para o centro comunitário e de lazer do sesc, na Pompéia, bairro operário da capital paulista, onde além do projeto de reforma e requalificação arquitetônica, ela atua como programadora cultural, até o início dos anos 1980. Na segunda metade da década de 1980, inicia uma série de colaborações com municipalidades gestadas por políticos ligados aos partidos de oposição. Nesse momento, elabora um projeto-piloto para a revitalização do centro-histórico da cidade de Salvador e um projeto para a nova sede da prefeitura de São Paulo. Faleceu em março de 1992, em sua residência, em São Paulo.

2. Aloisio Magalhães nasceu em 05 de novembro de 1927, em Recife, Pernambuco. Filho caçula do médico e professor Aggeu Magalhães, diretor da Faculdade de Medicina e Secretário de Educação e Saúde do Estado, e sobrinho de Agamenon Magalhães, político que fora interventor em Pernambuco durante o Estado Novo e Ministro da Justiça de Getúlio Vargas. Desde cedo, conviveu com figuras da elite política e intelectual de Recife, tais como Gilberto Freyre. Em 1945, entrou para a faculdade de Direito, profissão que não chegou a exercer. Em 1946, participou do Teatro do Estudante de Pernambuco (tep), com Hermilo Borba, Ariano Suassuna e Gastão de Holanda. Em 1949, montou um atelier com o pintor Reynaldo Fonseca. Em 1951, recebeu uma bolsa do governo francês para estudar museologia no Louvre. Em Paris, freqüentou o atelier de gravura de Stanley William Hayter, e estreitou laços de amizade com Paulo Emilio Salles Gomes e Francisco Brennand. Dois anos depois, retornou ao Recife, onde fez sua primeira exposição de pinturas. Em 1954, participou do atelier “O Gráfico Amador”, de experimentação gráfica. Em 1956, recebeu nova bolsa de estudos, concedida pelo governo norte-americano. Nessa ocasião, viajou pelos eua (Estados Unidos da América), itinerando com a exposição, junto a outros artistas cujas obras formavam a mostra, inicialmente montada no mam-sp. Conheceu também Eugene Feldman, artista gráfico e tipógrafo experimental, dono da gráfica “The Falcon Press” e professor da Philadelphia Museu School of Art. É aí que inicia sua aproximação com o design. Em 1960, integrou a delegação brasileira na 30a Bienal de Veneza. Em 1961, realizou sua última exposição de pinturas, na Petite Galerie, no Rio de Janeiro e ministrou curso de tipografia com Alexandre Wollner no mam-rj. No ano anterior, mudara-se para o Rio de Janeiro, deixando de pintar para abrir um escritório de design, em sociedade com Artur Lício Pontual, arquiteto e amigo do Recife, e Luís Fernando Noronha, técnico em edificações. Em 1962, se casa com a francesa Solange Valborg (com quem teve duas filhas), participa da criação da ESDI e desfaz a sociedade inicial do escritório, que, renomeado de “Aloisio Magalhães Programação Visual Desenho Industrial”, é a base a partir de onde se realizam projetos de grande porte e complexidade, muitos deles tendo como clientes empresas públicas. Entre os projetos, consta o símbolo do iv Centenário da cidade do Rio de Janeiro, sinais de bancos e de identificação dos logradouros cariocas, a identidade visual da Petrobras, o desenho de cédulas do cruzeiro novo (entre elas, a nota do “Barão”). Quando completava cinqüenta anos, em 1975, uniu-se ao Ministro da Indústria e Comércio, Severo Gomes, e ao Secretário de Educação do Distrito Federal, Vladimir Murtinho, na criação do Centro Nacional de Referência Cultural, em Brasília. A partir de então, afastou-se gradativamente do escritório, até realizar seu último projeto gráfico, o sinal do Banco Boavista, de 1976. Em 1979, foi nomeado presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (iphan). Em 1981, assumia também a Secretaria de Cultura do então Ministério da Educação e Cultura. Em 13 de junho de 1982, enquanto representava Rubem Ludwig em um encontro de ministros da cultura de língua latina na Itália, sofreu um avc, falecendo subitamente.

3. Esse tópico constitui parte da agenda mais recente de pesquisa de Anastassakis.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICA

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BIBLIOGRAFÍA

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